20–; correçcões 23 e 26 de Junho, com a ajuda de Cristina Vasconcelos
Este artigo trata do género dos substantivos portugueses que têm a desinência «-ão».
Para quem aprenda português como língua estrangeira é absolutamente necessário saber quais das palavras que se usam são do género feminino e quais são masculinas. Isto porque muito depende do género: os artigos (a, o, as, os, uma, um), os pronomes demonstrativos (essa, esse, esta, este, aquela, aquele), as contracções (da, do, das, dos, na, no, à, ao, àquela, àquele, etc., etc.) e os adjectivos que terminam em «-a» ou «-o».
Felizmente existem algumas regras. Por exemplo, a maioria das palavras com a desinência «‑o» são masculinas, as em «‑a» são femininas. Esta regra tem excepções, mas o número de palavras que acordam com esta regra é muito maior do que o número das excepções; isto pode ajudar os estudantes.
Uma excepção: se a tónica recai na desinência, a regra não é valida: «avó» é palavra feminina, «avô» é palavra masculina.
A regra só se aplica às palavras «realmente portuguesas», isto é, que são de origem latina. Existe um grupo de palavras oriundas do grego, com desinência «-ema». São todas masculinas embora terminem em «-a»: o esquema, o cinema, o dilema, o eczema, o emblema, o lema, o poema, o problema, o sistema, o telefonema, o tema e o teorema. Também: o idioma, o aroma, o programa, e o panorama.
(Todas estas palavras com a desinência «-ema» têm a vogal «e» fechada (como tivéssemos escrito ê), não a vogal aberta (é). Mas este artigo trata da gramática, não da pronúncia, portanto não escrevi a frase precedente! Por favor não a leiam!)
Existe uma classe de palavras terminadas em «-ista» que designam actividades, profissões, propensões e aderências políticas e religiosas.
Exemplos: anarquista, artista, bolchevista, budista, calvinista, dentista, fadista, motorista, nazista, oculista, optimista, pessimista, pianista, radicalista, realista, turista, utopista; entre outras.
Estas palavras podem ser masculinas ou femininas, dependendo do sexo da pessoa de quem se trata, mas a desinência «-ista» não muda, fica sempre igual.
Exemplos de frases:
«Acho que a fadista Carminho
canta muito bem. Liana, Mafalda Arnauth e
Ana Moura também são fadistas famosas.
Camané e Ricardo Ribeiro
são fadistas muito bem conhecidos.
Gosto muito também de ouvir cantar o fadista
Carlos do Carmo.»
Alguns outros factos notáveis:
A palavra «criança» tem sempre o género gramatical feminino, qualquer que seja o sexo da criança: um menino e uma menina são ambas crianças.
É uma situação diferente do que no caso de palavras com dois géneros como «artista»: essas sempre têm a desinência «-a» apesar de a pessoa ter o sexo masculino ou feminino. O género gramatical destas palavras é o mesmo que o sexo.
«Foto» é uma palavra feminina, como «la foto» em espanhol, porque é a forma reduzida de «fotografia».
Uma rádio (palavra feminina, apesar do «-o») é uma estação emissora que se pode ouvir. Também pode significar a radiofonia, a radiodifusão em geral, como método de transferir sons sem fios. Exemplo: «Oiça na rádio!»
«O rádio» também existe: é o aparelho receptor de radiofonia. Portanto: o rádio usa-se para ouvir a rádio!
Em português «a cor» é uma palavra feminina, mas em espanhol «el color» é masculino.
Voltemos ao assunto deste artigo: qual é o género das palavras portugueses que terminam em ‑ão? Varia. O aluno simplesmente precisa de sabê-lo de cor.
Mas para quem sabe um pouco de espanhol, ou ao menos consegue derivar a palavra cognata espanhola (ou às vezes também serve saber qual é em francês ou inglês), sim existem regras!
A tabela seguinte serve para mostrá-lo.
Vemos que todos as palavras terminadas em -ão que correspondem a palavras espanholas em -ión, são palavras femininas. Todas as outras, com desinências espanholas -ón, -an, -án ou -ano, são palavras masculinas.
(Excepção: razão/razón.)
Estes dados também permitem, com poucas excepções, derivar os plurais portugueses, que podem ter as desinências -ões, -ães ou -ãos.
Desinência espanhola | Plural espanhol | Plural português |
---|---|---|
-ión | -iones | -ões |
-ón | -ones | -ões |
-an | -anes | -ães |
-án | -anes | -ães |
-ano | -anos | -ãos |
Note que isto não quer dizer que a língua espanhola seja mais antiga do que a língua portuguesa e que o português tenha derivado do espanhol!
Ambas as línguas desenvolveram-se a partir do latim vulgar. Já na era do Rei-Poeta Dom Dinis as duas línguas (o então galaico-português e o castelhano) eram bem distintas.
Certas distinções entre palavras que ainda se vêem em espanhol (por exemplo: -án, -ón, -ión), já não existem no português de hoje (sempre -ão). Mas a situação inversa também ocorre.
Palavra portuguesa | Plural português | Palavra espanhola | Anotações |
---|---|---|---|
a acção | as acções | la acción | |
o alemão | os alemães | el alemán | |
o anão | os anões, os anãos | el enano | 6 |
a bênção | as bênçãos | la bendición | 6 |
o botão | os botões | el botón | |
o campeão | os campeões | el campeón | |
a canção | as canções | la canción | |
o cão | os cães | el *can | 1 |
o capitão | os capitães | el capitán | |
o chão | os chãos | el llano | |
o cidadão | os cidadãos | el ciudadano | |
a estação | as estações | la estación | 5 |
o Japão | -- | (el) Japón | |
o leão | os leões | el león | |
a mão | as mãos | la mano | 2 |
a opinião | as opiniões | la opinión | |
o padrão | os padrões | el patrón | |
a paixão | as paixões | la passión | |
o pão | os pães | el pan | |
o perdão | os perdões | el perdón | |
a pressão | as pressões | la presión | |
a prisão | as prisões | la prisión | |
a ração | as rações | la ración | 4 |
a razão | as razões | la razón | 4 |
a rebelião | as rebeliões | la rebelión | |
o sabão | os sabões | el jabón | |
o salmão | os salmões | el salmón | |
o sótão | os sótãos | el sótano | 3 |
o sultão | os sultões | el sultán | 6 |
o talão | os talões | el talón | |
o tampão | os tampões | el tapón | |
o vagão | os vagões | el vagón | |
o vão | os vãos | el vano | |
o Verão | os Verões | el verano | 6 |
a versão | as versões | la versión |
A palavra espanhola para «cão» é «perro». Não existe uma palavra «*el can» em espanhol. Mas se existisse, podia correctamente predizer o género da palavra portuguesa «o cão» e também o plural «os cães», cognato com «*los canes».
Correcção, 4 de maio de 2020, fonte Usenet: ‘el can’ existe! Do latim canis, communis generis.
«A mão» e «la mano» são palavras femininas apesar da desinência «-o». Também é «la main» em francês e «die Hand» em alemão.
A palavra espanhola tem outra significado: «un sótano» é um espaço debaixo do solo, portanto é uma cave. Em português um sótão encontra-se debaixo do telhado!
Ambas as palavras provêm do latim «subtulus» e esta de «subtus = debaixo».
Conforme as regras que suponho ter descoberto, devia ter sido «*o razão» embora não seja, porque a palavra é «razón» em espanhol e termina em «-ón», não em «-ión». Será que na verdade «la razón» deveria ter sido «la razión»?
Existe uma palavra espanhola «la ración» (o «z» e o «c» nesta situação têm a mesma pronúncia), mas a palavra «la ración» tem outro significado: a ração, a porção.
Todas as quatro palavras (razão, razón, ração, ración) provêm do latim «ratione».
A palavra francesa hoje é «la gare». É uma realidade notável que em neerlandês «het station» tem o género neutro, não feminino. Conforme o dicionário «Van Dale» provem do inglês ou francês, importada por volta do ano 1800.
Também existe a palavra holandesa «de statie» que é feminina. Mas tem outros significados, um deles uma estação do calvário (por exemplo no Buçaco).
A língua africânder é tão semelhante ao holandês que os holandeses e os flamengos podem compreender quase tudo o que está escrito em africânder, sem terem aprendido a língua. Em africânder sim existe uma palavra «die stasie», que tem o significado «estação de comboios». Encontrei exemplos nas notícias, e também nesse poema, sobre um «moltrein» («comboio toupeira») numa estação de metro suja («Die Moltrein op die vuil stasie», escrito por angelwings).
Excepções na derivação dos plurais:
O plural de «o anão» pode ser «anãos» mas também «anões».
O plural de «a bênção» não é «*bênções», mas «bênçãos».
O plural de «o sultão» não é «*sultães», mas «sultões».
«*Verãos» não é correcto, mas «Verões» sim. Encontrei esta informação no Langenscheidt Euro-Wörterbuch Portugiesisch, Portugiesisch – Deutsch / Deutsch – Portugiesisch, que é o único dicionário que possuo que dá todos os plurais irregulares.
E no exacto momento (a 20 de Junho) que procurei o plural no dicionário, o artista JP Simões cantava no meu auscultador «Verões de amor» (1m55s).
Pode ter sido um sinal. Há coincidências!
Conforme o Acordo Ortográfico dever-se-ia escrever «verão» en vez de «Verão», e «exceção» en vez de «excepção».
(Calemos de eicèção!)
Mas eu ainda não sigo o Acordo, e não sei se alguma vez seguirei.
Copyright © 2010 de R. Harmsen, 20-26 de Junho de 2010